InstitutoVOX
De Instituto Vox de Pesquisa em Psicanálise, para Instituto Vox de Pesquisa e Formação em Psicanálise
PRIMEIRO TEMPO: FUNDAMENTOS DA NOMEAÇÃO
A partir da reunião geral, realizada no dia 15 de dezembro de 2021, reapresentei o projeto do Instituto Vox centrado na referência da formação do psicanalista, considerando a ligação entre três eixos de sustentação: leitura e comentário dos Seminários de Jacques Lacan; participação no dispositivo clínico; participação em grupos de pesquisa. Tem-se, como efeito desse enlaçamento entre eles, a atualização da nomeação de forma diferenciada, uma vez que essa última nomeava em nossa experiência, a ligação do Vox com a pesquisa, sem as implicações que foram apresentadas. Introduzir a nomeação do Instituto Vox ligada a pesquisa e a formação do psicanalista, só é possível, na medida em que foram destacadas condições outras que levam a diferenciá-la da ciência, da Universidade e da religião, aproximando-a do percurso de um psicanalista. No que se refere a diferença do sentido da pesquisa na ciência e na Universidade, deve-se notar que não se trata somente de se valer de suas contribuições para fazer avançar a Psicanálise, como pensado habitualmente, mas sim que…:
Além da função deliberativa do Conselho, declara-se que o psicanalista Mauro Mendes Dias exerce a função de coordenador geral do Instituto Vox, sendo responsável por: 1 – zelar pelo Vox enquanto um projeto institucional; 2 -decidir, quando necessário, o rumo a ser seguindo mediante uma discordância de posições entre a maioria dos Membros do Conselho.
-“Agora não se trata somente de ajudar o analista com ciências propagadas a moda universitária, mas de que essas ciências encontrem em sua experiência uma possibilidade de se renovar” (Talvez em Vincennes, Outros Escritos, pág. 316)
Para situar tal possibilidade de renovação é preciso incluir um elemento que “é deixado de fora nas ciências”(Sem XI, pág. 17), qual seja, “o desejo do analista”, entendendo que “a formação do analista o coloca”(Sem XI, pág. 17). Em relação a religião, Lacan vai assinalar uma convergência que irá nos interessar, quando afirma:
-“Tambem há, sem dúvida alguma, afinidade entre a pesquisa e o registro religioso. Diz-se ali correntemente – não me procurarias se já não me tivesses achado. O já achado está sempre por trás, mas atingido por algo da ordem do esquecimento”(Sem XI, pág. 15)
Na indicação de Lacan há uma insistência entre a busca e o que a causa, baseada na suposição de já ter encontrado o objeto, no caso, Deus. Esse Deus que já foi achado é, na verdade esquecido, se mantendo por trás da busca como condição de renovação. Na religião, portanto, se trata da busca como causa de renovação da fé, enquanto que na Psicanálise, ela é causa de reinvestimento num objeto que se encontra para se perder, renovando a pesquisa.
Nessa Outra acepção de pesquisa que surge a partir da implicação dela com a formação do psicanalista, é que encontraremos a via de acesso para uma nova nomeação do Instituto Vox. Tal nome introduz a pesquisa e a formação do psicanalista, como condições que irão zelar pelas questões que o desejo do psicanalista promove. Esse novo nome que passa a ser introduzido pela formação, já constava antes na pesquisa, explicitado no “Primeiro encontro sobre pesquisa e formação em Psicanálise”, Instituto Vox no youtube , 21/08/2021, assim como em texto transcrito por Marta Marciano, na Biblioteca. Na data mencionada, realizou- se o primeiro momento de apresentação da ligação da pesquisa com a formação do psicanalista, na referência do “eu não procuro, acho”(Sem XI, 15/01/1964) e “eu não acho, procuro”(Sem O momento de concluir 14/03/1978). Nessa ocasião foi articulada a releitura de Lacan junto a frase de Picasso, como busca que coloca em exercício uma causação. Tal tipo de causa é marcada por encontro faltoso, perda e reinvestimento. Assim, ela é homóloga ao movimento que o desejo inconsciente promove no sujeito, enquanto efeito da causação dele pelo objeto a. Podemos retirar dessa busca, como outro nome da pesquisa, a possibilidade de incluí-la na ligação com alguns outros que participam da formação do psicanalista. Concepção, essa, convergente com a elaboração; o realizada por um psicanalista, a partir de sua prática e teorização. É o que encontraremos em Lacan ao assinalar que:
“- Atualmente, eu não encontro, eu procuro. Eu procuro, e tambem algumas pessoas querem me acompanhar nessa pesquisa”(tradução minha, Sem Momento de concluir, 14/03/1978). Poderíamos incluir, ainda, que é a partir dessa concepção de pesquisa, convergente a um trabalho de elaboração com outros, que poderemos cultivar as condições para o advento do saber com verdade, próprio a experiência da Psicanálise. Significa abordar o saber de forma a que ele se mantenha como “um saber que não se aguenta, o saber da impotência…”(Sem O saber do psicanalista, 04/11/1971). Esclarecendo, desde então, que a impotência não é sinônima de desistência, de pouca insistência, mas sim, de implicação com um discurso em suas limitações. Elas são nomeáveis como sinônimas da impossibilidade de recobrimento da produção com a verdade, presente em cada um dos discursos. No caso do discurso analítico, por exemplo, o que é produzido como significantes(S1) referidos a particularidade de um sujeito, não recobre o conjunto de significantes que participam do inconsciente enquanto lugar da verdade(S2)
SEGUNDO E TERCEIRO TEMPO: ARTICULAÇÕES DO NOME
O segundo tempo da nomeação repete o primeiro, ao retomar a presença da pesquisa no momento da Reunião de 15/12/2021, articulando o Projeto do Vox como Instituto de pesquisa que mantem entre seus termos: leitura e comentário dos Seminários, grupo clínico e pesquisa, uma ligação com a formação do psicanalista.
O terceiro tempo da nomeação depende dos dois anteriores para sustentar o nome formação do psicanalista, no nome próprio do Vox. Nome próprio, esse, que designa uma particularidade, enquanto diferença que se escreve pelo Projeto. Em seu funcionamento, não somente a pesquisa passa a ser contada com a formação, mostrada no primeiro tempo, ela implica, devido a essa ligação, um outro tipo de enlaçamento do grupo clínico com a leitura e comentário dos Seminários de Lacan. Esses dois passam a ser ressignificados pela formação do psicanalista, que foi destacada na pesquisa.
Três consequências são depreensíveis desse enlaçamento. A primeira se refere a condição de nomeação que inscreve e escreve o desdobramento da pesquisa pelo nome formação em Psicanálise: Instituto Vox de pesquisa e formação em Psicanálise. A segunda se refere ao grupo clínico como sinônimo de um lugar onde se renova a presença da formação. Levando a promover um espaço onde se apresentam e se articulam os efeitos da clínica do psicanalista, compartilhada entre pares. Ou seja, com aqueles que se declaram como psicanalistas praticantes no Instituto Vox. A forma de funcionamento desse espaço será esclarecida mais adiante. A terceira consequência se depreende dos efeitos da pesquisa com a formação, sobre ele mesma, pesquisa, contada com os outros dois, grupo clínico e leitura/comentário. Nesse caso, incluindo não somente a pesquisa como uma atividade possível de se realizar no Vox. Mas, tambem, como compromisso que inaugura para cada um, pode incluir um outro tipo de relação com o saber, através do investimento numa questão que renova a busca com alguns. Que são tanto aqueles com os quais se reúne, quanto esses mesmos com os quais cada um se identifica e diferencia. Não se trata, portanto, de um saber de grupo, mas sim de uma estrutura de coletivo, que é, segundo Jean Oury, “uma máquina para tratar a alienação, em todas as suas formas” (O coletivo, 17/10/1984).
De forma a que se possa tornar presente o tratamento da alienação, tanto quanto a presença dela, porquanto ineliminável para o ser desejante, é necessário que se zele pelo funcionamento de uma estrutura que reúne e separa. Para que funcione, é preciso a colocação em ato de uma insistência, nem sempre bem recebida pelos membros, para o esvaziamento do grupo. O qual se mantem, na medida em que se reserva um lugar decisivo que não coincide com a identificação com o líder, necessariamente, tal como inscrito na abordagem freudiana, mas sim com um consentimento compartilhado.
Responsável pela presença de argumentos que se valem de enunciados mestres, sem se dar ao trabalho de fundamentá-los, revirá-los, particularizando antes de se valer deles. Por isso mesmo, deve-se manter a advertência de que a pesquisa não avança somente por ser organizada segundo as orientações exigidas no Vox. Mais ainda, por um trabalho de insistência daqueles que as coordenam para manter sua existência e direção. Consequência disso, é o fato de as reuniões serem realizadas sempre com a presença do coordenador.
O que está em jogo na concepção de formação do psicanalista com a pesquisa? Em primeiro lugar de poder mostrar a ligação entre as duas. A pesquisa, no sentido que foi articulada desde Lacan, no Vox, condiciona a presença da causa do desejo operante nela. Por isso mesmo, só haverá de experimentar tal consequência aqueles que decidirem por ela. Mesmo àqueles que não participam dela, no sentido de fazer parte de um grupo de pesquisa, sofrem os efeitos da causa do desejo que os habita na relação com os outros lugares do Vox. E é essa condição que causa pelo desejo, divide e promove produção, que se encontra em exercício em cada um dos espaços da formação, uma vez que ninguém é obrigado para a realização de tarefas, a princípio. A não ser que declare interesse de se compromete r com o que se encontra em jogo no espaço escolhido. O fato de haver um Projeto do Instituto Vox, no qual se explicita agora um compromisso com a formação, não significa que para se manter nele, seja obrigatória a inclusão nos três termos que o compõem. É a forma pela qual cada um se enlaça com o Projeto, que decide pelos efeitos da formação. Evidentemente que a inclusão nos três espaços que se enlaçam na formação tende a promover consequências diferenciadas para aqueles que se comprometem neles.
LEITURA E COMENTÁRIO DOS SEMINÁRIOS DE JACQUES LACAN
A leitura e comentário dos Seminários de Lacan tem como objetivo a realização de um trabalho à altura do que se encontra em jogo na orientação de seu ensinamento, tanto quanto na do Instituto Vox. A noção de ensinamento se distingue e estende a noção de obra. Isso porque, partiu do próprio Lacan a advertência de que se o ensino se orienta pelo texto referencial, o estilo e a transmissão se orientam pelo saber textual. A diferença entre eles é possível de ser sustentada a partir de um método de leitura, o qual se baseia na noção de comentário que, segundo Lacan, se afirmar como “disciplina do comentário”(A coisa freudiana. Escritos, pág. 405). Na Biblioteca do Instituto Vox podem ser encontrados um conjunto de cinco textos que procuram esclarecer o significado do trabalho de comentário junto a concepção da obra de Lacan. São eles:
1- Freud deslocado, de Jean Allouch
2- El punto de vista lacaniano en Psicoanalisis, de Jean Allouch
3- Lacan, Freud: um encontro faltoso, de Philippe Julien
4- Leitura, interpretação, comentário e reconstrução, de Christian Dunker
5- O que significa fazer comentário de um texto, de Mauro Mendes Dias
Em se tratando de elaborações de Lacan, ele se diferencia da transmissão através de um trabalho que visa, no primeiro, um aprendizado do que consta no texto, seu conteúdo, tanto quanto seu lugar dentro da obra, enquanto que no segundo se trata de apreender a estrutura do texto e os fundamentos dele, a partir dos quais outras questões podem ser articuladas. Assim, o efeito do trabalho de leitura, pelo comentário, pode franquear o acesso ao estilo do autor, ou seja, às elaborações que ele visa sustentar segundo sua posição diante do tema em questão. Não é preciso estabelecer uma oposição entre ensino e transmissão, desde que se vise no ensino “a via mediante a qual a verdade manifesta-se nas revoluções da cultura. Essa via é a única formação que podemos pretender transmitir àqueles que nos seguem. Ela se chama: um estilo” ;(A psicanálise e seu ensino. Escritos, pág. 460)
Consideremos que na referência do ensino/estilo, Lacan vai indicar um trabalho referido a um “retorno a Freud”. Por isso mesmo, a atividade de leitura e comentário dos Seminários conta com o trabalho realizado no grupo de estudos sobre Freud, podendo-se escolher frequentar, onde se procura acompanhar as referências freudianas, tanto quanto as indicações de suas modificações, realizadas por Lacan no decorrer do seminário que está sendo estudado. De forma a levar essa ligação adiante é preciso retornar aos textos de Freud, a partir dos quais, se pode acompanhar as vias de construção dos conceitos em sua obra, assim como a forma que Lacan os lê.
Incluir a atividade de leitura e comentário dos Seminários de Lacan como um dos eixos da formação do psicanalista, não se confunde com cumprir o estudo que se espera que um psicanalista realize. Em primeiro lugar o que está em jogo é uma posição, qual seja, a do compromisso de incluir os Seminários, enquanto obra falada e transcrita de Lacan, como constitutiva da formação no Instituto Vox, orientada pelas noções de leitura e comentário. Condição que a distingue de um estudo que procura se informar sobre o que é apresentado nos Seminários. Essa formação é continuada, tanto no sentido que se inicia e se estende em cada Seminário, quanto continua no Seminário seguinte. É tambem retroativa, voltando, quando for o momento, aos anteriores. Dessa forma se retiram consequências que permitem avançar elaborar cedilhões.
Afinal, partiu do próprio Lacan a nomeação de seu trabalho inicial de retorno a Freud. Avançando a partir desse retorno, a ponto de conduzir à reinvenção.
Um outro elemento que participa do ensino/estilo, como leitura e comentário dos Seminários, se articula pela presença do objeto a. Lacan introduziu essa elaboração na “Abertura” dos Escritos (pág. 9):
-“O estilo é o próprio homem, e continua abaixo, o homem a quem nos endereçamos”.
A frase se esclarece mais adiante ao indicar que esse homem a quem nos endereçamos é um “novo leitor”. E o que faz ele ser novo é a condição de “devolver a carta/letra em questão”, ou seja, devolvendo/fazendo passar, lendo, pela causação do desejo, que é, tambem, referência de letra e formalização.
Por isso mesmo, “é o objeto a, indicado na frase anterior, que responde à pergunta sobre o estilo que formulamos logo de saída”
Isso significa que se trata de “levar o leitor a uma consequência em que ele precise colocar algo de si”. Podemos reconhecer essa leitura, apresentada por um “novo leitor”, referida a um “percurso de que esses textos são os marcos”. Quais textos? Os dos Escritos.
Passamos agora a uma condição de articulação que leva em conta os textos escritos, com os quais o sujeito coloca algo de si, na medida em que, pela causa do desejo, ele introduz uma Outra relação e direção. Quais? Como relação de não complementariedade, mas sim de divisão de si, entre verdade e saber, tanto quanto de direção, no sentido da letra, enquanto circuito e formalização. Significa que o que esse novo leitor visa agora é o escrito. Que são tanto os textos escritos, e não falados, quanto as articulações que insistem em acompanhar o circuito da letra/carta, presente no conto da Carta roubada, que integra o primeiro texto da coletânea. O “novo leitor” introduz uma presença que implica numa diferenciação da leitura e comentário dos Seminários, na medida em que ele vai se deparar com um a mensagem que não continua na lição seguinte, esclarecendo-a ou não. Nesse caso, se trata de uma leitura que visa a formalização, no sentido de decifrar os diferentes deslocamentos que o texto/carta, tal como no conto de Poe, promove em cada um, até o momento de conclusão dele.
Pela relação que o “novo leitor” inaugura a partir dos Escritos, encontra-se a possibilidade de incluir a leitura deles como fundamento necessário para contemplar o ensino/estilo da obra de Lacan. Por isso mesmo, há uma atividade que se dedica a manter a leitura e comentário dos Escritos, sem a obrigação de fazer coincidir com os textos da mesma época do ano do Seminário estudado. Para o esclarecimento da relação dos Escritos com os Seminários, assim como da atividade, indico a leitura do texto, “Sobre a atividade Leitura e comentário dos textos dos Escritos”, de Kamila Fahs, na Biblioteca do Vox.
O enlaçamento da leitura dos textos dos Escritos com os Seminários, se mantem possível de ser sustentado, ao considerar que a experiência para o surgimento de um “novo leitor” depende da decisão de cada um em colocar algo de si. Esse algo de si não é sinônimo de colocar mais alguma coisa, no sentido de se dedicar mais para aprender mais, com ecos sacrificiais, mas sim de perder a referência da leitura do texto falado, quando da leitura e comentário dos textos Escritos. Daí que “colocar algo de si” não coincide com realizar uma leitura própria, mas sim de, propriamente, depurar os diferentes momentos que permitem o acompanhamento de um circuito de elaboração, da mesma forma que se acompanha o circuito da carta no conto da Carta roubada. Tal leitura da letra/texto/escrito é, também, continuada e retroativa.
DISPOSITIVO CLÍNICO
Incluir a participação no dispositivo clínico, possível somente para aqueles que se declaram psicanalistas praticantes no Vox, tem como objetivo definir uma posição na formação do psicanalista. Ela se sustenta orientada por um princípio, qual seja, o de se autorizar como praticante da Psicanálise, por uma decisão de se apresentar como psicanalista na comunidade de seus pares. Tal autorização se sustenta na referência do tempo de seu percurso como analisante, e responsável pela condução de tratamentos. Assim, a participação no grupo clínico não se reduz a inscrever o nome próprio como psicanalista praticante no Vox, com seus respectivos compromissos. Conta-se com a experiência de análise, supervisão e condução de tratamentos realizados por cada um. Não há possibilidade de se declarar com o psicanalista praticante sem a experiência das referências indicadas.
Por não se tratar de um espaço que se reduz a apresentação de casos clínicos, o grupo clínico promove o compromisso de cada um em compartilhar elaborações a partir do que foi relatado pelo psicanalista no encontro.
Contempla-se, assim, a finalidade de insistir na realização de uma terceira queda do referente, a ser esclarecida adiante, do sujeito psicanalisante, como meio de fazer vigorar o objetivo desse trabalho que participa da formação.
Em primeiro lugar há o compromisso de realizar o relato de um caso clínico somente por escrito, condição essa que, além de orientar o apresentador e aqueles que irão escutá-lo, permite tambem uma retomada dos pontos que o apresentador pretende transmitir a seus pares.
Em segundo lugar deve-se manter a confidencialidade do nome próprio sem lançar mão de recursos, substituição por letras, por exemplo, de forma a preservar com um outro nome próprio, a possibilidade de manter a vigência de um nome que distingue o sujeito que fala e sobre quem se fala.
Em terceiro lugar, o tempo de duração do relato não deve ser longo, mas orientado por um período que varia na referência de 20 min. Entendendo que ele deve vir marcado pelas intervenções do psicanalista, sejam elas comentários, interpretações, silêncios… já que não existe clínica psicanalítica sem a presença do psicanalista que participe do sintoma. Deve-se visar, tambem, um enxugamento dos detalhes da história de vida, a não ser quando se fizerem necessários em relação aos objetivos da apresentação. Isso porque, há de se considerar uma mudança do relato clínico que vem de Freud até Lacan. No primeiro, encontramos uma série de detalhes que eram reveladores da fineza com a língua, daí a conquista do Prêmio Goethe por ele. Ao mesmo tempo que procurava, através deles, mostrar a eficácia do tratamento psicanalítico agindo sobre cada um. Da mesma forma, é preciso reduzir o pedido de esclarecimentos durante a apresentação, caso contrário, aquilo que se visa reduzir retorna sob a forma de demanda dos participantes da atividade. Com isso, procuro deixar evidenciado que se deve trabalhar, no sentido de elaborar sobre o que foi exposto, sem reforçar a suposição de que o mais importante não foi dito. Mesmo quando a apresentação é reduzida ao extremo, tal posição já é suficientemente indicativa, tanto de uma desinformação, quanto de uma objeção a interrogações que poderiam retornar. Nesse caso, tal como na experiência clínica, o mal-estar se faz presente entre os participantes, promovendo o tratamento dele. Devido ao que foi mencionado, o coordenador/a do grupo clínico deve es clarecer antes dos encontros agendados, as possíveis dúvidas dos novos integrantes do Vox, tanto quanto daqueles que já participam da experiência.
Em quarto lugar, se trata de considerar os objetivos do dispositivo de apresentação de casos clínicos, em exercício no grupo clínico do Vox. Ele consiste, levando em conta os tópicos anteriores, no relato de um caso clínico, seja de psicoterapia ou de psicanálise, concluído ou em andamento, que será relatado pelo psicanalista apresentador. Terminada a apresentação, os participantes iniciam uma discussão sobre os elementos do caso que permitem avançar as questões comuns à clínica psicanalítica. Que vão desde hipóteses diagnósticas acompanhadas de fundamentação que as justifiquem, até as consequências das intervenções na transferência, permitindo reforçar ou reler o que foi apresentado. Terminada a apresentação do relato os participantes do grupo clínico, levantam- se entre e eles os pontos que escolherem como fundamentais. O apresentador não mais esclarece dúvidas, tampouco os participantes se dirigem a ele, assim como ele não se dirige mais aos outros.
Apenas no final da discussão passa-se a palavra ao apresentador que poderá fazer alguns comentários sobre o que escutou, sem interrogar ou discutir com os presentes.
Pelo exposto, fica evidenciado que o dispositivo não coincide com uma supervisão em grupo, menos ainda com um procedimento em que sugestões e opiniões se proliferam sobre o caso apresentado. Isso porque, parte-se, nesse dispositivo, da acepção de caso como sinônimo daquilo que cai. O que cai do que o psicanalista apresentador recolhe do que os outros dizem, sem coincidir com sua leitura, tanto quanto aquilo que cai para os debatedores, uma vez que a insistência em debater as questões clínicas, nem sempre deixam de cair na tentação de querer sugerir ou orientar os manejos de quem apresenta. Mais uma vez a presença e função do coordenador/a, se apresenta como decisiva para manter uma ética entre os participantes, visando as questões que se referem ao desejo do psicanalisante, e não dos comentadores.
De forma a manter os objetivos anunciados do grupo clínico, é preciso manter a vigência de uma queda do referente em três tempos. No primeiro tempo, como sinônimo de não confundir o caso relatado como totalidade do sujeito apresentado. Isso porque, na experiência psicanalítica, aquele que fala não é coincidente com aquele de quem se fala, daí a possibilidade de ser surpreendido pelo que diz e acontece em sua própria vida, a despeito de suas intenções conscientes. A segunda queda do referente se dá pelo que é escolhido pelo psicanalista apresentador para falar de seu psicanalisante, e compartilhar com seus pares. A terceira queda do referente se faz presente pelas discussões clínicas que haverão de se basear no relato, sem se esgotar nele, levando-o mais além. Esses três tempos implicam na possibilidade de compartilhar questões s que realizam a passagem do caso individual para as questões que o estendem junto a outros, ou ainda, entrelaçam a psicanálise em intensão com a psicanálise em extensão.
Em quinto lugar deve-se notar que o dispositivo clínico utilizado no Instituto Vox, vem marcado pela presença no Projeto, desde antes de sua inauguração, da prática de apresentação de pacientes em hospitais psiquiátricos, numa condição compartilhada com membros de outras instituições psicanalíticas. Tal tradição, íntima ao ensinamento e elaboração de Lacan, vai orientar os manejos clínicos visando sua reinvenção, mantendo sua ética. O que vai permitir incluir nos manejos uma “elasticidade”, termo da tradição de Ferenczi, visando contemplar as particularidades em jogo. Para uma apresentação dos fundamentos dessa elaboração, em exercício a alguns anos, indico a leitura do Projeto da equipe Ponte, na Biblioteca do Instituto Vox. Para os interessados em avançar a ligação da prática clínica com a apresentação de pacientes, além de outros textos, existem quatro deles que tocam diretamente o que foi exposto, os quais, integram o acervo da Biblioteca. São eles:
– Do relato de caso ao ensino pelo real, de Mauro Mendes Dias
– Os quatro tempos da apresentação de pacientes, de Mauro Mendes Dias
– Os lugares das apresentações de pacientes pela Psicanálise, de Maurício Lucchesi
– Apresentação de pacientes pela Psicanálise, de Ana Maria Ferraz, Fátima Duque e José Waldemar Turna
Atualmente existe uma atividade no Instituto Vox, Apresentação de pacientes, na qual são levadas adiante um conjunto de leituras e elaborações que visam retomar textos e discussões, a partir dos Escritos, suscitando a construção da noção de enlaçamento. Condição própria a clínica psicanalítica, no sentido da modalidade de laço a ser construído com o sintoma, pelo psicanalista, tanto quanto os enlaçamentos que organizam a relação entre textos e questões, elucidando as diferentes estruturações subjetivas.
GRUPOS DE PESQUISA
Grupos? de pesquisa? Sim, porque é uma das formas de insistir no seu esvaziamento, visando o que foi apresentado antes como lógica do coletivo. Não há funcionamento diferenciado que se sustente somente por princípios. Terreno fértil para o alimento dos superegos, tanto quanto da falta de compromissos.
O tempo mais longo de coordenação dos grupos de pesquisa pela responsável, foi baseado na dificuldade de fazer constar a pesquisa com a formação. Para tanto, não se pode contar somente com princípios de funcionamento. É necessário que os projetos de pesquisa se organizem de forma esclarecedora quanto as diferentes propostas de implicação com a pesquisa, que pode ser mudada, conduzindo a uma direção que se renova. Condição possível àqueles que, mesmo tendo sido concluída a pesquisa, reinvestem na busca.
O compromisso existente no Vox em relação a produção de um texto, ou textos escritos, ao final de uma pesquisa para os membros dos grupos, procura deixar evidenciado a insistência com a escrita. Só é possível perder alguma coisa, sob a forma de letras que compõem um texto, quando se deixa cair o encantamento com o enredo dos raciocínios, das ideias e das falas. É, tambem, o momento em que se abre para que os escritos voem e cheguem em algum lugar. Em nosso caso, no convidado de fora do Vox para comentar os textos, naqueles que compõem o público, assim como aos que poderão se interessar pela publicação deles na Biblioteca, a partir das pesquisas.
Há, sempre, a suposição, não sem fundamento, de que a experiência dos grupos de pesquisa sem prazo definido para terminar, promoveria a infinitização, quiçá, uma procrastinação, bastante conhecida. É exatamente nesse ponto que a presença do coordenador pode, ou não, fazer a dinâmica particularizar, insistindo nos avanços, nos esclarecimentos, promovendo as condições para que o coletivo possa comparecer, mesmo que contingencialmente. Quando assim acontece, não significa que não vá haver dificuldades, mas sim que elas não interromperão o fluxo dos argumentos. O que foi dito passa a ser reconhecido pela condição de particularizar numa observação, num comentário, numa hesitação que se afirmar em dizer. Dizer, esse, que se compõe pela estrutura simbólica que organiza as falas, e não somente as opiniões precipitadas pela exigência de ter de falar alguma coisa.
O tempo para compreender se faz presente para aquele que reconhece que o que está sendo dito, merece ser compreendido. Tal condição é antecipada por um instante de ver que alguma coisa nova surgiu no que foi falado. Assim, um terceiro tempo se realiza no momento da reunião dos dois anteriores, ou seja, surgindo algo novo a ser dito, enquanto novo entendimento por aquele que escutou, tanto quanto por aquele que falou, em momentos que não coincidentes.
Se se trata de reconhecer que os grupos de pesquisa participam da formação do psicanalista, isso não significa que não haja propostas, depois de um tempo definido de percurso no Vox, para a realização de atividades, seminários, por exemplo. Tal possibilidade se inaugura para aqueles que têm o que falar para inseminar, colocando uma elaboração que foi além do que havia a ser dito com outros, com os quais compartilha.
A ligação do grupos de pesquisa com a formação promove um deslocamento das elaborações. Elas haverão de se sustentar com outros, “alguns outros”, analistas e não analistas, os quais, mantêm uma relação com a Psicanálise que pode ser tanto de querer estudar, quanto de se engajar nela de forma particular. Por isso mesmo, existe possibilidade de incluir interessados de fora do Vox no trabalho de pesquisa, desde que nos grupos exista um membro do Vox. Nesse sentido, a presença da pesquisa no Vox condiciona que os membros das pesquisas, que são membros do Vox possam, tambem eles, fazer passar e passarem os efeitos dessa experiência, desde o espaço da formação. Fazendo circular entre seus pares, membros e participantes do Vox, tanto quanto com alguns outros. Nesse sentido, mais uma vez se distingue a pesquisa, no sentido que foi articulado antes, de sua acepção universitária.
Não há títulos, de saída. Existe, sim, nomeação, membro de um grupo de pesquisa no Vox. Diferentemente da tradição que vem pela Universidade, a articulação do saber na Psicanálise é marcada pela presença de um objeto que se faz para se perder. Não há tese possível para ser sustentada nisso. Há, sim, uma aposta que se renova, renovando a relação com o saber, marcado pela verdade. Tal saber é capenga, defeituoso, não é portador de garantia, mas sim de rigor com sabor.
QUARTO TEMPO: EFEITOS DA NOMEAÇÃO, HOJE.
A inclusão do nome formação do psicanalista no nome do Vox, atualiza, tal como mostrado antes, o reconhecimento da pesquisa como elemento que nomeia a presença da causa do desejo, expressa numa leitura possível das passagens do Sem XI, com o Sem Momento de concluir. Não somente ela não coincide com a pesquisa universitária, enquanto trabalho a ser visado, mas tambem inclui, pela causa do desejo, o inconsciente e suas formações, na formação do psicanalista. Isso não significa, tampouco, que dessa maneira estaria-se propondo realizar a afirmação de Lacan de que ele nunca falou de formação do psicanalista, mas sim de formações do inconsciente. Frase que promove interrogações, quando se acompanha a insistência dele em falar sobre a formação do psicanalista, de diferentes formas e propostas. Basta lembrar de “Situ ação da Psicanálise e formação do psicanalista em 1956”.
Contudo, ao afirmar isso, ele mante a importância de fazer constar as formações inconscientes, enquanto expressões que remetem à análise. Por isso mesmo, a formação do analista não se dá nas instituições, mas se relaciona com seus projetos, de forma a manter presente os efeitos da causa do desejo para além das experiências privadas. O desafio da formação do psicanalista, portanto, em suas diferentes comunidades, se renova através do tipo de tratamento que se dispensa aos fracassos de seus laços. O problema se acentua quando se visam a constituição de laços que evitam o fracasso. Daí o estrondo de algumas rupturas. Condição para a multiplicação de iniciativas que privilegiam modelos flexíveis o suficiente, confundindo rigor com imperativo. Compromisso com ordem.
Há uma insistência necessária de ser mantida para esvaziar os discursos que, em nome da Psicanálise, obturam o real que a constitui. Vindo tanto de suas instituições, quanto dos discursos que organizam o laço social. Em particular a “religião do sentido”, comum aos dois.
Não há solução para a formação do psicanalista, como sinônima de solução ideal que evite conflitos e identificações. Tampouco, como habitualmente insistido, que as relações horizontais seriam plenas de êxito, ora invertendo a pirâmide, ora desconhecendo as identificações, rupturas e discordâncias que o inconsciente faz comparecer. Menos ainda se trata de apostar que uma estrutura aberta, sem definição de lugares e funções, seja garantidora de renovação. Como se os compromissos e as responsabilidades pudessem ser confundidos com fechamento e devoção.
Questões se mantem em aberto, sem se confundir com falta de compromissos com elas.
É sempre oportuno relembrar que sofremos os efeitos dos discursos à nossa volta. Seja no nível macroscópico, seja no microscópico das relações, se instalou um tipo de discurso que avança na direção da destruição do patrimônio simbólico. Não somente cativa pelo fascínio que desperta pelo gozo da estupidez. Mas tambem suscita reações contrárias, de tal magnitude autênticas, que apostam nas promessas das soluções que expulsam as elaborações. Quando o se posicionar favoravelmente em relação a causas legítimas, substitui o trabalho de elaboração sobre elas, fazendo equivaler uma com o outro, participa-se, sem saber, na continuidade da destruição do patrimônio simbólico.
Se a questão sobre o desejo do psicanalista se apresenta na atualidade, marcado pela presença desses discursos, isso significa que é preciso poder se interrogar o que sustenta a ele, desejo do psicanalista. Ele se sustenta como efeito de uma análise? Ele se manifesta num tipo de presença e relação com o saber? Pelo escrito, pela fala? Como sustentar o que significa ser analista sem fazer coincidir auto ritualização, com autorização? Afinal, se “o psicanalista só se autoriza dele mesmo, com alguns outros”, como entender a articulação entre a autorização, e o dele mesmo com alguns outros? Questões que se apresentam num trabalho a ser iniciado como possível nesse quarto tempo de agora. Questões, por sua vez, que introduzem a possibilidade de enlaçar com alguns outros, o avanço das elaborações.
Quando fundado, no ano de 2014, O Instituto Vox inclui, em sua nomeação, a voz em sua acepção latina, voce, como sinônima de conjunto de sons emitidos pelo aparelho fonador. Em se tratando de um Instituto de Psicanálise, fez-se comparecer na definição o Outro, ou seja, aquele que se encontra antes do aparelho fonador do infans nascer com seu corpo. Por isso mesmo que é a partir da voz que se pode incluir o sujeito no aparelho fonador, falando a partir de um circuito com o Outro. E na medida em que ele consente a esse circuito apelando ao Outro, ele se faz escutar. Mas a voz é, tambem ela, esse objeto que pode não cair, se colando ao Outro, falando não mais a partir dele, mas sim a língua dele. A voz é portada por acidentes, modulações e intensidades que atualizam o tipo de presença do Outro, tanto quanto a modalidade de separação com ele. Pelo exposto, Vox é o outro nome da insistência de um trabalho que inclui o fracasso, como condição de renovação na formação do psicanalista.
ADENDO
LIGAÇÃO ENTRE: ESTUDO E COMENTÁRIO DOS SEMINÁRIOS DE JACQUES LACAN, GRUPO CLÍNICO E PESQUISA
A ligação entre os três termos da formação se realiza, na medida em que cada um coloca em prática, por uma estrutura de funcionamento, o compromisso com a formação do psicanalista. O estudo e comentário dos Seminários de Jaques Lacan, compromete a cada participante em responder de que maneira se dá a implicação com o saber que organiza as próprias elaborações. Esse saber é, ao mesmo tempo, teórico e prático. Acontece que, se não se dá o tempo suficiente que a pesquisa promove, vai se tentar sempre colocar em evidência a clínica na relação com um momento da elaboração teórica, que não corresponde a complexidade do que se encontra em jogo. Na verdade, a antecipação da colocação da clínica, como forma de dar visibilidade ao que está sendo articula do, participa de uma resistência que desconhece a ela mesma, clínica. Isso porque, o saber com o qual cada um se depara ao estudar um Seminário é chamado de teórico, exatamente porque ele é a teorização de uma longa tradição da experiência clínica. Por ser teorização de uma experiência, o saber vem marcado por uma complexidade, qual seja, o abandono do referente, do exemplo, da ilustração. Consequentemente, é desde o saber, nomeado como teórico, a ser lido, estudado e comentado, que se pode articular uma Outra clínica. Não aquela que já se conhece, mas sim aquela que não se escreve pelo saber, mas insiste em deixar marcas nele, como sinônimo de registros de uma experiência.
Para apreender a contribuição que a pesquisa promove na formação do psicanalista, é preciso notar que a experiência com o saber é de mais longo prazo nela, ou seja, não são esperados resultados rápidos. Contudo, não significa que não existirão compromissos, produtos, elaborações. Nesse sentido, há uma íntima relação entre o tempo de compreender que a pesquisa promove, com o momento de concluir na experiência clínica. Há uma passagem entre elas. Nessa última, há sempre a possibilidade da conclusão se introduzir de forma mais frequente. Conclusão de uma sessão, de uma questão, de um tratamento, a partir de uma sequência repetitiva de elaborações. O tempo para compreender colocado em exercício na pesquisa, é o que dá fundamento a um saber que é efeito de insistência. Nesse ponto, há uma homologia, uma mesma estrutura temporal, do tempo para compreender que uma análise promove com a insistência a um tema que a pesquisa cultiva. É o que constatamos, pela experiência clínica, com alguns sujeitos que se implicam com suas próprias questões de forma mais longa em termos temporais, mas nem por causa disso menos verdadeira.
Mesmo que na experiência de uma análise o tempo para compreender se alongue, ela se conclui em algum momento. Seja por ser interrompida, seja por ser considerada terminada pelo sujeito. Na pesquisa encontraremos também um momento de conclusão. Há uma disparidade entre as duas, pesquisa e análise, na relação com o saber. Na primeira se trata do exercício da elaboração com um tema, uma questão, que não é, de saída, uma questão da particularidade subjetiva do pesquisador, ainda que possa encontrar ressonâncias, o que não é incomum. Aliás, não tem como não implicar a particularidade, contudo, é uma particularidade que visa obter elaboração de um saber através de um tema. A transferência, nesse caso, é com o tema, e não com um analista.
Em se tratando da experiência de uma análise, a transferência é estruturada com um psicanalista, porque se supõe que é ele que tem o saber que pode resolver os sofrimentos e impasses dos quais se padece. Por extensão, a modalidade do sentido de presença se coloca diferentemente na pesquisa e na análise. A pesquisa funciona com a presença de “alguns outros”, analistas ou não. Uma análise, segundo a presença do analista com seus manejos e intervenções. Ainda que o tema de uma pesquisa possa não sair da cabeça do interessado nele, a questão que uma análise produz é algo que faz com que o sujeito pense nele mesmo. Isso retorna, cobrando implicação com a verdade, muitas vezes promovendo o distanciamento dela. Não se vai atrás da verdade, tal como na pesquisa. Ainda que a busca da verdade seja comum a um e outro campo, o sujeito mantem uma relação diferenciada com ela. O que se depreende disso, não é somente a possibilidade de mostrar uma diferença quando se recorda da relação do saber do psicanalista com a verdade, e da pesquisa com a verdade. A ligação da pesquisa com o saber que importa cultivar, para um psicanalista, tem a ver, em primeiro lugar, em manter presente a insistência desde a causa do desejo. O que promove incluir os efeitos de sujeito na experiência, assim como de manter a aposta num saber que não ceda aos encantos do todo, sempre tão renováveis.
A aproximação possível de ser sustentada, entre a formação do psicanalista, o saber e a pesquisa, é o que procurei mostrar nos dois momentos na obra de Lacan, onde ele se refere a insistência de um encontro, “Eu não procuro, acho”, que se renova com “eu não acho, procuro”. O que é comum a esses dois momentos é um encontro faltoso e, nesse sentido, coloca em destaque a causa do desejo como operadora de uma renovação.
Quando se trata de utilizar de um dispositivo clínico para abordagem da clínica entre psicanalistas, o que se visa, pelo exposto, não é somente de trazer exemplos clínicos, mas a renovação de uma aposta para reencontrar os elementos que implicam um sujeito numa análise. Seus sintomas, suas indefinições e identificações que contam dele sem que ele mesmo perceba. Através da inclusão de um psicanalista nessa experiência, pode-se permitir que os fundamentos da clínica sejam rearticulados, elaborados outra vez, por cada um. Por que fazer isso, pode-se perguntar? Porque o saber do psicanalista, aquele que ele retira de sua experiência, só se sustenta porque é compartilhado e colocado em questão com seus pares. Nesse sentido, não há psicanalistas sem pares. Não são suficientes somente analisantes que o reconheçam. Se um psicanalista só se autoriza dele mesmo, ele só sustenta como tal pela inclusão de alguns outros, analistas ou não. Porque é assim que alguns outros irão contar os efeitos de mudança que sua autorização promoveu em cada um deles. E esses efeitos se fazem notar de forma viva, ou seja, pela emergência de um saber estruturado pelo inconsciente, marcando cada um no corpo/gozo.
O quarto tempo anunciado no projeto da formação do psicanalista, no Vox, insisto, no Vox, vem marcado pela necessidade de incluir a elaboração de questões que se apresentam atuais, para um Instituto que não é uma Escola de Psicanálise. E assim se sustenta pela condição de diferenciação, e não de recusa. Há uma solidariedade entre o Projeto de formação no Vox, e uma Escola de Psicanálise. Cada um desses espaços se ocupa em articular uma forma de ligação e compromisso com a Psicanálise, que procure sustentar um laço que contemple as condições éticas para o exercício dela, assim como de seus agentes responsáveis. Ética, essa, que não se mantem quando é utilizada como meio de atender interesses de mercado, sejam eles ideológicos ou religiosos. Não se trata, como muitas vezes argumentado, que tal iniciativa visaria a sustentação de um fantasma de pureza, ou lucro, mas sim de que existem condições inegociáveis para o exercício da Psicanálise. Não foi por acaso que tanto Freud quanto Lacan se detiveram a isolar a efetividade de alguns conceitos que delimitam um campo de experiência. Campo, esse, que não opera segundo princípios e opiniões pessoais, ou da moda. É pelo retorno à tradição das questões, a maneira como foram articuladas e situadas que se pode, primeiramente, estabelecer um termo comum para iniciar as elaborações. É de lá de onde isso estava, que se pode recolher os recursos para o advento de elaborações que permitam avançar nos impasses.
Mauro Mendes Dias