psicanálise
Seminário de Henry Kruetzen
O tema do Seminário é o de seu novo livro publicado pela Editora Anablume, sobre uma nova definição do espaço clínico.
Palestrante: Henry Kruetzen

Galeria de Arte da Criança
“Eu levei a minha vida inteira para desenhar como uma criança!”
Essa frase do Picasso é instigante!
O que seria desenhar como uma criança para Picasso?
E nós, o que entendemos disso?
Que toda criança é potencialmente um artista?
Essa questão abre um debate sobre o que é ser um artista e se uma criança é um artista.
O outro lado da afirmação nos faz pensar … Que Picasso deve ter levado muito tempo para sentir que desenhava com liberdade… como uma criança… pensamento que nos remete a uma outra afirmação do pintor: “Quando eu era criança, eu desenhava como Raphael, mas foi necessário toda uma vida para aprender a desenhar como uma criança”.
É bastante comum a ideia de que o desenho e a arte que a criança realizam são fruto de um trabalho de aprendizagem, a maioria dos sites de artes para criança a ensinam o que é desenhar e, como fazê-lo!
Não é raro a criança bem pequena ainda, responder que não sabe desenhar, quando alguém lhe pede para que o faça! Caracterizando uma renúncia que se acentua à medida que ela cresce. Ou ainda, crianças que abandonam o processo criativo, seja o do desenho ou de uma outra modalidade de expressão à medida que crescem!
Não que a aprendizagem não seja necessária, ela o é!
Mas se não cuidarmos de certos processos que são fundamentais para o desenho e para a expressão da criança de uma forma geral, ela poderá deixar de lado essa atividade preciosa, por não se sentir suficientemente capaz!
Até porque existem, de sobra, atividades e jogos na internet que a mantem ocupada, dando-lhe a ilusão que está em uma atividade criativa.
E, mesmo que saibamos (ou talvez não) da importância do desenho e do traço para a constituição subjetiva, e da humanidade, nos habituamos a permitir sem nos dar conta, que prefiram o computador, sem fazer uma reflexão sobre as consequências da redução de atividades que privilegiem a criação.
A criança tem uma curiosidade nata que deve ser estimulada.
Ao mesmo tempo ela tem o mundo a descobrir!
Curiosidade e liberdade são ingredientes para um processo de expressão criativo?
Sem dúvida!
Mas não podemos confundir a liberdade, que deve ser conquistada, pelo fato que ela não está dada a nós, com poder fazer tudo e de qualquer jeito!
Se vocês observarem verão que as crianças frequentemente ao desenhar oferecem o seu desenho à mãe, ao pai, à professora, ou ao amigo. Isso não ocorre por acaso, ela quer que o seu desenho seja visto por um outro.
Nesse ponto, eu não poderia deixar de assinalar a importância do Outro e de seu desejo no processo criativo, questão que vem ao encontro dessas reflexões acerca do desenho da criança, onde psicanálise e arte se articulam.
É interessante que muitas pessoas emudecem diante de um desenho infantil!
Também não é por acaso, o desenho da criança sempre nos surpreende!
Não sabemos o que falar ao olhar para o desenho da criança, de uma forma geral dizemos que é bonito, ou bonitinho…
A criança pode ter desenhado algo terrível, sim claro, aos olhos de um adulto a produção de uma criança é sempre bela (nem sempre) então, não se trata de qualificar o desenho quanto à sua beleza ou feiura, pois o belo e o feio não são opostos, ao menos da forma que imaginamos e, podemos ir além disso ao buscar o que há de singular e precioso em cada desenho!
Com isso, posso afirmar que o debate quanto à criança ser ou não ser artista permanece aberto, mas devemos sim olhar para o seu desenho como se fosse uma obra de arte!
Arlette D Israel Schikmann
Blog: galeriadeartedacrianca.com

A morte de Freud e reflexões sobre o campo civilizatório
Resenha
A Morte de Freud, o legado de seus últimos dias,
Mark Edmundson (Odisseia Editorial, 2009, 232p., R$ 35,00).
Neste 23 de setembro, o dia do Yom Kippur – o feriado judaico da expiação –, foi aniversário da morte de Sigmund Freud. Há 79 anos, em um sábado de 1939, Londres se organizava para se proteger dos iminentes ataques aéreos alemães e judeus a caminho de sinagogas davam continuidade ao ritual de orações e jejum iniciado na noite anterior. O inventor da psicanálise encerrava ali, aos 83 anos, seu rico ciclo de vida.
Como que homem e obra embutidos no tempo da história, Freud percorrera uma época longa e turbulenta – colapso do Império Austro-Húngaro, I Guerra Mundial, crise econômica, triunfo do nazismo. Em 6 de junho do ano anterior, ele e sua família tinham desembarcado na Victoria Station, fugidos dos expurgos de Hitler, que acabara de anexar a Áustria a seu projeto de uma “grande Alemanha’’, e quando os horrores da II Guerra já se faziam antever.
É justamente desse período de sua existência que trata A Morte de Freud, o legado de seus últimos dias, escrito pelo norte-americano Mark Edmundson. Dividido em duas partes, ‘Viena’ e ‘Londres’, o livro de Edmundson, premiado professor da Universidade da Virgínia (EUA), considera que a morte de Freud desvendou o enigma definitivo de Sigmund Freud: “Ele foi um grande patriarca cultural que lutou muito pela destruição do patriarcado”.
Freud devotou a fase final de sua vida – quem sabe a mais frutífera – a refletir sobre cultura e política. Em seus trabalhos tardios, apresentou ideias contundentes sobre a dinâmica interna da vida política em geral e, em particular, sobre a tirania. Reside especificamente no destaque a tal particularidade do pensamento freudiano um dos aspectos mais interessantes de A Morte de Freud.
O livro resgata, na Viena de 1909, a presença do jovem Adolf Hitler, então residente na capital austríaca (assim como Freud) e sua ascensão à frente do movimento nazifascista que, a partir dos anos 1930, tentaria dominar a Europa. A partir disso Edmundson ressalta a reflexão freudiana ao fato de seres humanos reagirem bem a tiranos — não apenas obedecendo a eles, mas os admirando e amando. Se a força bruta ajuda a estabelecer e a consolidar líderes despóticos, não raro a sua adulação pelos tiranizados confere considerável sustentação a isso.
A chamada clínica sociológica, na expressão do psicanalista André Green, citado por Edmundson, aplica-se tanto ao indivíduo da clínica psicanalítica quanto ao homem como membro do socius. Freud teria se aproximado da antropologia e da sociologia como que fazendo uma descrição clínica: não considera a delimitação entre normal e patológico, tampouco entre indivíduo e coletivo; dedica-se, mais exatamente, à realidade da psíquica humana. Foi assim que a psicanálise desenvolveu um saber integrado às reflexões mais significativas do século passado, e ainda conserva esse patamar no presente.
Tendo passado a vida em conflito com aquilo que classificava como o “superego social”, Freud descreveu a erotização do relacionamento das massas com o líder absolutista e o porquê do apelo de sua mensagem, na qual tudo é preto ou branco — uma moral sem ambiguidades conferindo aos seus seguidores um senso de propósito, que liberta a mente de ansiedades e dá permissão para punir aquele que não faça parte do grupo.
Não é difícil constatar que, em tempos de extremismo e radicalização como o nosso – palpáveis inclusive no cenário eleitoral brasileiro de 2018 –, a obra psicanalítica permanece atual também nessa sua função de operadora de reflexões sobre o campo civilizatório e o trabalho da cultura.
AO FIM, A FAMA – Freud, ao concluir Moisés e o Monoteísmo: três ensaios, aquela que para muitos é sua obra testamento, analisa as origens do judaísmo. No descortinar da II Guerra e de sua morte, queria compreender o caráter de Moisés, figura que sempre admirara. “O Moisés de Freud, ao contrário dos líderes arquetípicos, vive um conflito interior e sente ansiedade, e ele o faz no interesse da civilização”, escreve Edmundson. Pela análise do profeta hebreu Freud buscava chegar ao âmago do que tornou os judeus o povo que são e encontrar uma explicação psicanalítica para o antissemitismo.
Como recorrente nos textos freudianos, tal objetivo transcende o que poderia ser o foco primeiro desse trabalho e resulta num estudo ampliado do comportamento humano diante de fenômenos contemporâneos, tanto nas religiões monoteístas quanto nas políticas totalitárias do século XX. Edmundson chega a afirmar que o livro é “uma autobiografia indireta e também uma meditação sobre o que era a psicanálise e o que ela poderia se tornar”.
Velho, prestes a morrer do câncer na mandíbula que o acompanhara desde 1923, refugiado e com todas as vulnerabilidades de um recém-chegado a um país de adoção, Freud precisou decidir se ousaria seguir adiante e publicar essa obra. “Não antevejo uma reação amigável dos críticos científicos. E a comunidade judaica ficará muito ofendida”, antevira.
Além de defender que o monoteísmo fora uma inovação egípcia, levada aos judeus por Moisés, o livro traz entre suas partes mais escandalosas as reflexões de Freud sobre a identidade e o fim do líder hebreu: este não teria sido judeu, mas egípcio, e fora o povo eleito que assassinara seu maior profeta. “Privar um povo do homem de que ele se orgulha não é algo que se faça com prazer ou sem cuidado, menos ainda sendo eu próprio um membro desse povo”, reconhece Freud já nas páginas de abertura.
Em Moisés e o Monoteísmo, ele observa que a capacidade de internalizar um deus invisível projetou de forma definitiva a capacidade de abstração das pessoas. O exercício mental do monoteísmo preparou os judeus para se destacarem em atividades envolvendo um modelo abstrato de experiência, processo de internalização esse que Freud designou de “avanço na intelectualidade”.
Apesar dessa contribuição à vida coletiva, o monoteísmo é visto por Freud como um sistema infantilizador de crença. Para ele, a humanidade precisaria dar outro passo rumo à sua interiorização e abstração. Além de preparar as bases para a ciência e a literatura, a crença no Deus invisível pôde ajudar ainda na estrutura interna e não palpável do psiquismo, com a dinâmica desse mundo interior. Nessa dinâmica, a psicanálise verdadeiramente se consiste como possibilitadora de tal introspecção, dando condições para que os indivíduos acessem os mistérios de suas vidas subjetivas.
“Uma despedida bastante digna”, comentou o próprio Freud sobre Moisés e o Monoteísmo em uma carta a seu amigo íntimo Hanns Sachs. Mas mesmo sendo um dos seus livros mais iluminadores, seu público original se ateve imediatamente ao que a obra tinha de mais vulnerável e de menos valioso. De forma geral as resenhas e primeiras reações foram tão furiosas e equivocadas quanto Freud previra.
O fato é que ser judeu, com uma longa história retrospectiva de perseguição sobre a qual refletir, representara para ele um excelente preparo na realização não só daquele derradeiro livro, mas do seu trabalho intelectual como um todo. “Professar a crença nesta nova teoria [a psicanálise] exigia um certo grau de predisposição a aceitar uma situação de oposição solitária – uma situação com a qual ninguém está mais familiarizado que um judeu”.
Freud foi sincero consigo mesmo até o final. Em carta ao seu amigo suíço Oskar Pfister, registrou: “ Com toda a resignação ao destino que cabe a um homem honesto, eu tenho um desejo totalmente secreto: só não aceito a invalidez, a paralisia da capacidade pela miséria corporal. Deixe-nos morrer exercendo o nosso trabalho, como diz o rei Macbeth”. E assim seu Moisés e o Monoteísmo fez-se publicar – quando os sopros da fama, que pela primeira vez em vida lhe alcançavam, poderiam lhe sugerir acomodação e as pressões da comunidade judaica para a não veiculação do livro nem de longe eram insignificantes.
Sigmund Freud, esse verdadeiro dinamitador das certezas da consciência, não à toa, segundo a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco, teria sido antes de tudo “um judeu vienense, desconstrutor do judaísmo e das identidades comunitárias, aferrado tanto à tradição dos trágicos gregos (Édipo) como à herança do teatro shakespeariano (Hamlet)”.
Autor: Heitor Amílcar
psicanalista